quarta-feira, 21 de março de 2012

Acto de contrição colectivo

O discurso da culpa colectiva, uma das formas mais primárias de criar carneiros submissos e combater as temíveis pulsões do mal absoluto, entrou na nossa sociedade sem grande esforço.

Nós, Portugueses, nos confessamos. Mentimos e acreditámos em mentiras.

Há vergonha no Partido Socialista. Tímido, senão incapaz de defender uma herança que em várias áreas seria expectável vê-lo assumir orgulhosamente como sua (foi também assim com a de António Guterres), torna-se presa fácil dentro da narrativa.

Agora, sempre que vier defender uma medida com resultados positivos, o Governo puxará a carta do despesismo, da derrapagem das contas. Todos nós sabemos fazer isso. Basta que, ao considerar um orçamento (que é uma previsão), se incluam todos e mais alguns custos associados. Resultado: derrapagem sobre derrapagem.

Ainda não ouvi ninguém vir recordar os princípios que estiveram na origem do investimento na reabilitação das escolas, por exemplo. Foi keynesianismo? Foi. Qual era o objectivo? Era relançar a economia. Sim, houve um tempo em que a Europa ainda se preocupava com o relançamento da sua economia a curto prazo. Por isso acordou, quando a crise se tornou mais ameaçadora, um programa de relançamento da economia. Em Portugal, as medidas incluíam a requalificação das escolas. Havia procura. Foram mobilizados fundos europeus para esse fim. Era a redistribuição europeia a funcionar. Os resultados seriam quase imediatos, tanto para a qualidade do ambiente de ensino, como para o crescimento e o emprego.

Erros de governação haverá sempre, mas reduzi-los ao estilo de um homem é risível. A incontornável margem de erro não pode impedir decisões e os políticos são eleitos para tomar decisões. Reduzir uma decisão política a uma mera operação contabilística é esvaziá-la da sua essência.

Para tecnocracias, já nos bastaram 10 anos de governação cavaquista.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Das premissas

Compõem esta narrativa algumas premissas irrefutáveis.

Citando apenas algumas delas:

i. a culpa, que em primeira instância é do Sócrates, mas que na realidade é de todos nós, uma culpa colectiva, cheia de pecados originais, que agora devemos expiar apenas e só pela via do sacrifício e da clemência perante a troika;

ii. a certeza, ex post – obviamente, todos estes vaticínios e oráculos são ex post - de que andámos a viver acima das nossas possibilidades;

iii. a modernização do País reduzida a má gestão das contas públicas e despesismo (ou, se preferirem, megalomania e obsessão do anterior governo);

iv. a pobreza extrema da maioria da população como um ‘facto incontornável’ que nos empenhámos em ignorar, acreditando que caminhávamos para o ideal de uma sociedade mais coesa e baseada na igualdade de oportunidades, quando na realidade só caminhávamos rumo ao abismo;

v. as políticas públicas de educação, formação, qualificação enquanto ‘manigância’ para mascarar a realidade de uma população vocacionada para a lavoura e o ensino profissionalizante;

vi. as novas tecnologias de informação e comunicação, o acesso a computadores generalizado e à banda larga, como uma simples forma de deslumbrar gerações perdidas à partida e dar a ganhar a empresas de amigos;

vii. os salários demasiado elevados que aniquilam a nossa competitividade;

viii. a necessidade absoluta de cortar e reformar para garantir a defesa do Estado social;

ix. a crónica do malandro, mau aluno europeu;

x. Portugal não é a Grécia. É provavelmente a única afirmação verdadeira no meio de todas estas falácias. Nós não somos a Grécia. A Grécia era exemplo corriqueiro quando se falava de estatísticas. 80% da população activa grega era funcionária pública, o que lhe permitia ter uma espécie de rendimento mínimo garantido e contar com um segundo emprego para equilibrar as contas.

Bem-vindos à narrativa

Diz-nos o dicionário que uma narrativa é um relato de acontecimentos que remetem para o conhecimento do homem e das suas realidades. É uma história, real ou imaginária, que pode ganhar contornos de romance, novela, conto ou epopeia.

São elementos básicos da narrativa: narrador, acção, cenário (realista ou fantástico) e personagens, distribuídas em diferentes categorias (protagonista ou herói; antagonista ou vilão, figurantes) e geralmente divididas entre o bem e o mal.

Palavra presente no nosso quotidiano pela mão dos livros, a narrativa fez erupção na nossa vida política, importada de fora, como tudo o que tem popularidade garantida em Portugal.

De repente, só se fala em narrativa. É o Primeiro Ministro, é o Ministro das Finanças, o Ministro dos Negócios Estrangeiros. Todos nos dizem que temos que alterar a narrativa. A comunicação social difunde. Só nós é que não vemos, por estarmos tão embrenhados nela, que a narrativa já não é uma história, é a nossa triste realidade.

Lembram-se das aulas de Português? Da dificuldade que por vezes tínhamos em qualificar de aberta ou fechada a narrativa? Pois bem, esta é fácil. Atiraram-nos para uma narrativa fechada, com final anunciado.

Sabe-se que no final haverá vencedores e vencidos. É fácil antecipar quais serão uns e outros. O País será o grande vencido. Vencerão os afortunados da Providência divina, contra o parasitismo instalado. Na verdade, são tão parasitas quanto aqueles que acusam de parasitismo do Estado-pai, os únicos parasitas possíveis de um Estado mínimo. Os outros, os que beneficiavam da indevida segurança do Estado Providência, esses já estão mais do que vencidos, e não é só pelos cortes nos ‘privilégios’, é por esta desesperança no futuro.

A teia, a narrativa, pois que é essa a palavra da moda neste início de década, está montada. As personagens e o décor estão definidos. Só não sabemos se será uma mini-série, se uma longa-metragem. Tudo dependerá da capacidade das personagens de resistir às regras. Era preciso que personagens vilãs se tornassem boazinhas no decorrer da narrativa, passasem do mal ao bem. Haverá alguma capaz desse volte-face?

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Despertar contra a austeridade

É uma leitura europeia da crise das dívidas soberanas.
É um diagnóstico cru que acaba por assumir contornos exagerados de enorme mea culpa da esquerda europeia, nomeadamente no que toca aos exageros da despesa pública.
É uma tentativa de apelar à unidade europeia.
Não é uma solução, mas talvez possa ser um primeiro contributo para a mudança de linha de alguma esquerda que não esconde a vergonha do seu passado.
Emprega demasiadas fórumlas futuristas, esquecendo que, para alguns países, entre os quais o nosso, o futuro é agora.
Vale o que vale, mas tem, a meu ver, o grande mérito de despertar algumas belas consciências adormecidas.

http://www.lemonde.fr/idees/article/2012/02/21/comment-contrer-l-europe-de-l-austerite_1646245_3232.html

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Regresso

Muita coisa mudou desde que aqui escrevi pela última vez. Volto provavelmente porque não encontrei ainda melhor forma para uma emigrante como eu se sentir próxima da sua terra do que escrever sobre e para ela.

Este é o início de um novo capítulo. Se antes escrevia com raiva contra ventos de mudança que apenas se adivinhavam, hoje escrevo com tristeza.

Tristeza por estarem a impor-nos, como se não houvesse alternativa, um dogma ultra-liberal, em jeito de profissão de fé, de redenção pelos nossos pecados colectivos, em que tão culpado é o que fez como o que deixou que fizessem.

Tristeza porque não há mesmo quem apresente o que se possa assemelhar a um alternativa: à caridade, à sopa dos pobres, à emigração forçada, à contabilidade pública erigida em Deus maior, à pobreza extrema dos que nos governam e daqueles que nos querem vir a governar.

Pois eu acredito que há alternativa. Uma alternativa responsável, razoável, assumidamente contra este apoucamento do Estado, da sociedade e do indivíduo. Sem medos.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

E assim se pára um país

Quando soube que Cavaco Silva tinha convidado o Papa para vir a Portugal achei que isso pouco tinha a ver comigo. Tratava-se de uma visita oficial, é certo, pelo que envolvia o Estado português e, como cidadão, alguma coisa tinha a ver comigo. Mas só por essa via.

Entretanto, o governo decidiu que o assunto tinha muito mais a ver comigo. Declarou tolerância de ponto para a função pública.

Ou seja, decidiu que devido à visita do Papa os funcionários públicos não precisam de ir trabalhar. E, assim, aquilo que só remotamente me envolvia, pois não pretendia ir a Fátima nem a nenhuma das missas em Lisboa ou Porto, passou a ser um assunto meu.

Todos os serviços públicos estarão fechados ou a funcionar à mínima. E parece-me que não vale a pena dizer que a mim têm de me atender, que eu sou ateu.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

A religião, o Estado e a ideologia

Camilo José Cela foi um excelente escritor. O facto de ter sido um apoiante da ditadura de Franco, primeiro lutou no exército nacionalista e depois teve o emprego de censor, não diminui o seu mérito literário. Mas o seu nome ficará sempre ligado não apenas às suas qualidades literárias, que o levaram a ganhar um Nobel, mas também ao seu posicionamento político.

Numa escola espanhola, com o nome de Instituto Camilo José Cela, uma estudante muçulmana, de 16 anos, decidiu começar a usar lenço a cobrir o cabelo. O Conselho da Escola proibiu-a de frequentar assim as aulas, tendo esta deixado de assistir às mesmas. O governo socialista de Zapatero opõe-se à decisão da escola, mas o governo regional de Madrid, liderado pelo Partido Popular, apoia a proibição.

Percebe-se então que o nome do colégio não remete apenas para um grande escritor, mas também para um posicionamento ideológico. É que os nomes contam.

E se os nomes contam, porque é que o Estado Português insiste em dar nomes religiosos a bens públicos? Da ponte de S. João, no Porto, ao futuro Hospital de Todos os Santos, Em Lisboa, por todo o país vemos as autarquias e o governo a atribuírem nomes religiosos às estruturas públicas.

Dir-se-á que se escolhem nomes que sejam relevantes para a maioria da população. Pois claro, mas quando se escolhe um nome com conotações religiosas ou ideológicas temos de ter presente que se está a fazer uma opção com significado ao nível dos valores das pessoas - e algumas vão sentir-se excluídas por essa opção.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Um acto de justiça, senhor Presidente?

Cavaco condecorou hoje Santana Lopes com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo.

Disse Cavaco, “cumpre-se aqui um acto de justiça em relação a portugueses que serviram o país nos mais altos cargos de Governo da República, da magistratura portuguesa e dos órgãos próprios da região autónoma dos Açores”.

Recordemos que quando Santana era Primeiro-ministro, Cavaco escreveu o famoso artigo de opinião em que recordava a teoria económica para dizer que a má moeda, Santana, era sempre afastada pela boa moeda. Foi, na altura, um contributo importante para a queda do Governo, pois revelou que nem sequer a direita apoiava Santana Lopes.

Será que Cavaco está com a consciência pesada e a fazer um acto de contrição? Não. Está é a tomar uma posição com significado político: a afirmar que a sua família política é a direita e a reuni-la à sua volta. E assumindo-se como o líder dessa família, prepara a sua campanha presidencial.

Escusava era de nos usar para fazer essa sua campanha, pois quando condecora Santana Lopes não o está a fazer apenas em seu nome, mas em representação dos portugueses. Que, estou certo, estavam mais dispostos a atribuir-lhe uma repreensão do que uma condecoração.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Ao fim de 14 horas, fumo branco

Depois de quatro anos de conflito, o Ministério da Educação e os principais sindicatos chegaram a acordo. Ainda bem. É muito importante para as escolas, mas também para o país. Talvez agora seja possível os vários envolvidos concentrarem-se na construção de um melhor sistema educativo, de que francamente precisamos.

Olhando para trás, não é difícil perceber o erro que foi a não substituição da anterior ministra. Já muitas pessoas o diziam há muito tempo, mas o governo não quis dar o sinal de que cedia. E os sindicatos também não cederam. Sobrou a confrontação e o impasse.

Num pequeno livro muito interessante, intitulado "Contra o Fanatismo", Amos Oz diz que o problema do conflito israelo-palestiniano é tratar-se de uma discussão entre quem tem razão e quem tem razão. Assim é também na educação.

Talvez uns e outros consigam agora perceber que a discussão não é entre quem tem razão e quem a não tem, mas entre razões, perspectivas e objectivos que se confrontam, mas também se complementam.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Petição a favor de referendo sobre casamento homossexual é entregue amanhã na AR

Os referendos são óptimos instrumentos de democracia directa. Sufragam a vontade popular acerca de matérias concretas, fazendo com que as decisões sejam efectivamente tomadas pela maioria dos cidadãos.

Mas será legítimo referendar os direitos das minorias? Na Suíça referendaram o direito de os muçulmanos construírem minaretes. Por cá, querem referendar os direitos dos homossexuais. E amanhã, o que se seguirá? Talvez haja quem queira referendar o acesso dos ciganos a apoios sociais do estado. Ou, porque não, a expulsão dos ciganos para as Ilhas Desertas.

Quando se referendam os direitos das minorias está a tratar-se essas pessoas como isso mesmo, minorias. Ou seja, um grupo diferente, que deve ter direitos diferentes. E quem é que os decide? A maioria, claro está!

Pretende-se, portanto, decidir aquilo a que os outros, os que são diferentes de nós, têm ou não direito. Mas todos nós somos os outros dos outros. E todos somos parte de pequenas minorias: altos, baixos, obesos, ruivos, ateus, protestantes, testemunhas de jeová, desempregados, homosexuais, negros, ciganos, deficientes, comunistas... A lista não tem fim. E de certeza que cada um de nós está dentro de, pelo menos, um desses grupos minoritários.

A sociedade é composta por esta enorme diversidade de minorias. E é isso que lhe confere a sua riqueza.

Todos somos sociedade. Todos somos diferentes e, simultaneamente, os mesmos. Não devemos querer referendar os direitos de alguém como se fosse algo à parte.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Um falo de 100 metros

A Câmara de Paredes vai construir, por ocasião do centenário da República, um mastro de bandeira com 100 metros de altura. Custará a módica quantia de um milhão de euros.

O Presidente da Câmara defende o projecto, dizendo que irá geo-referenciar o concelho. Trata-se, portanto, de uma questão de afirmação.

E haverá algo melhor do que um grande falo para alguém se afirmar? Mesmo que custe um milhão de euros do dinheiro dos contribuintes.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Os minaretes na Suíça e o casamento de homossexuais


A proibição de minaretes na Suíça, decidida recentemente através de referendo, utiliza o mesmo argumento que os opositores ao casamento de homossexuais: a ideia de que as maiorias têm direitos (a construção de torres nas suas igrejas ou o casamento de pessoas de sexo diferente) que não têm de conceder às minorias, pois isso poderia afectar a sociedade de uma forma negativa.

Noutros tempos usou-se o mesmo argumento para manter a legislação que submetia as mulheres ao poder dos maridos, recusar conceder direitos aos negros ou proibir o culto de religiões que não fossem a maioritária.

E tinham razão: a sociedade transformou-se quando se concedeu esses direitos. Mas mudou para melhor. Acho que é o que acontece sempre que se criam mais condições de igualdade.

domingo, 29 de novembro de 2009

Depressão nacional insustentável

Encontre-se uma fórmula atractiva para a economia, a sociedade e o ambiente, junte-se uma personalidade sorridente, rodeada de famosos, jovens e anciãos também eles sorridentes, a apresentar um conjunto de medidas 'revolucionárias' e aí temos o milagre da resposta contra uma crise cuja face mais visível são 3,6 milhões de pessoas sem emprego.
Zapatero apresentou esta semana a 'Ley de Economia Sostenible', politicamente correcta, à primeira vista ambiciosa, mas que, segundo economistas de todos os quadrantes, não faz mais do que recorrer à cosmética para desviar as atenções dos verdadeiros problemas da economia espanhola.
É curioso notar que algumas das medidas foram bandeiras concretizadas do anterior Governo, como sejam a criação de empresas num dia (em Portugal faz-se em menos de uma hora), apoio às energias renováveis ou reformas no mercado de trabalho.
Tem razão o Primeiro Ministro quando diz que os Portugueses estão pouco atentos ao que se passa no seu próprio País. Percebo que a sabedoria popular leve quase sempre a melhor, ou não fosse a galinha da vizinha melhor que a minha; percebo menos bem o que já se vai tornando uma depressão nacional insustentável.

Ainda a Europa e a democracia

De todos os comentários, na sua grande maioria pouco abonatórios, às escolhas dos líderes europeus para presidir ao Conselho Europeu e ao que será uma espécie de Ministério dos Negócios Estrangeiros europeu, penso que deveríamos reter essencialmente 3 ideias:
1. que o Directório dos Grandes (Alemanha, França e Reino-Unido) impôs as suas escolhas cozinhadas em petit comité sob a égide dos arautos da transparência, a Presidência sueca;
2. que, com a escolha de personagens desconhecidas da maioria dos Europeus, se procurou acima de tudo preservar o poder dos Estados, contra qualquer deriva federalista de instituições com demasiada personalidade;
3. que, e pode parecer uma contradição, se acabaram por reforçar as duas instituições por natureza mais comunitárias da UE, ou seja, a Comissão e o Parlamento. O Presidente da Comissão fica sem figura que lhe faça sombra, tanto a nível interno, como externo. Já o Parlamento, ou os partidos que o compõem, conseguiram impor a partilha de poder entre esquerda e direita nos 3 'altos cargos'.
Ou seja, há um Directório de Países grandes no seio da UE que continuará a tentar impor as suas escolhas, em matéria de personalidades e de políticas. Mas, em última instância, quando o Directório não estiver de acordo, haverá margem para as instituições mais comunitárias agirem. E é sobre elas e as suas propostas que deve incidir cada vez mais o nosso escrutínio, apesar das contingências inerentes ao facto de uma delas, a Comissão, não ser directamente eleita pelos cidadãos, e a outra, o Parlamento, ser composta por deputados que elegemos, mas que estão inseridos em grupos políticos europeus cujas dinâmicas são pouco claras.
Temos portanto um processo de integração europeia em constante reconstrução com moldes que não são os das democracias nacionais e com enorme potencial de auto-regulação. E ou nos começamos a interessar mais e a influenciar mais o que se passa lá longe em Bruxelas, ou caímos na armadilha da legitmidade democrática de uma Comissão que dirá não fazer mais que responder aos desejos dos Europeus e de um Parlamento que se foi reforçando sob a bandeira de uma legitimidade democrática que diz encarnar.
Enquanto esperamos pela cidadania europeia, acho que devemos dar uma oportunidade a Van Rompuy e a Catherine Ashton.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Frase do dia

Ouvi na rádio que à porta de uma igreja está pendurado um cartaz com a seguinte mensagem:

«As reuniões do Grupo para a Recuperação da Auto-confiança realizam-se às sextas-feiras, às 8 horas da noite.
Por favor, entrem pela porta das traseiras.»


Não percebi em que igreja é que o cartaz está pendurado, nem sequer se essa igreja é no nosso país. Mas que ilustra a situação que aqui se vive, não tenho a menor dúvida.

Numa altura em que precisávamos de recuperar a esperança, acreditar que a situação económica e social pode mudar, surge-nos mais um caso de suspeição sobre o primeiro-ministro.

A entrada em vigor de um novo governo, que até começou bem, não tendo pejo em corrigir algumas opções do anterior (alargamento das condições para receber o subsídio de desemprego, fim das taxas moderadoras nos internamentos e cirurgias, ...), era uma excelente oportunidade para acreditar num novo impulso.

Mas, com um segredo de justiça esburacado, um primeiro-ministro com amigos pouco recomendáveis, uma comunicação social baseada em fontes anónimas e em rumores não confirmados e uma sociedade civil desconfiada e pronta a fazer julgamentos sumários, o novo impulso esfuma-se no éter.

Precisávamos de recuperar a auto-confiança, mas afinal temos de entrar pela porta das traseiras...

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

(Artigo de opinião escrito por HB antes das eleições, mas só publicado no Diário de Notícias após as mesmas - no dia 3 de Outubro).

Ao longo da curta história da democracia portuguesa fomo-nos habituando a ver o espaço político da esquerda ser disputado por numerosos partidos. Além do PS e do PCP (coligado com Os Verdes), encontrávamos um grande número de pequenos partidos. Como é conhecido, há dez anos, a fusão da UDP com o PSR e a Política XXI deu origem ao BE, corolário de uma reorganização da esquerda que tinha já levado ao desaparecimento da maioria dos pequenos partidos surgidos após o 25 de Abril.

Por outro lado, a direita surgia sempre agregada em torno dos seus dois principais partidos, ainda que episodicamente surgissem candidaturas autónomas do PPM, MPT ou outros, mas que, ao contrário do que sucedia à esquerda, não conseguiam afirmar claramente o seu espaço ideológico, que era absorvido ora pelo PSD ora pelo CDS.

Assim, durante muitos anos, tirando o aparecimento de um partido de extrema-direita (o PNR) e de um outro resultante do melindre de Manuel Monteiro com o seu antigo amigo Paulo Portas (o PND), nada de novo parecia acontecer na direita portuguesa. A hegemonia ideológica dos seus dois maiores partidos, em que o CDS fixava o eleitorado mais conservador e o PSD abarcava tendências sociais-democratas, liberais e conservadoras, não deixava espaço para surgirem mais partidos.

Porém, a partir dos governos de Durão Barroso e Santana Lopes começaram a esboçar-se factores que propiciaram o aparecimento de novos partidos.

Em termos ideológicos, a coligação do PSD com o CDS iniciou a aproximação entre estes. Apesar de a tendência ter sido interrompida durante a liderança de Marques Mendes, a actual direcção do PSD veio reafirmá-la. Manuela Ferreira Leite imprimiu ao partido uma orientação mais conservadora, levando a que os sectores social-democrata e liberal se sentissem pouco identificados com as suas posições.

Em termos de organização e mobilização, a campanha pelo “não” no referendo à Interrupção Voluntária da Gravidez funcionou como elemento catalizador, pois muitas das pessoas que participaram nessa campanha sentiram vontade de manter a sua participação cívica mas não se identificavam com o PSD nem com o CDS.

Surgem então três novos partidos a disputar os votos da direita, o Movimento Esperança Portugal (MEP), o Movimento Mérito e Sociedade (MMS) e o Portugal Pró Vida (PPV), cada um deles correspondendo a um espaço ideológico que o PSD e o CDS deixaram vago quando se aproximaram ideologicamente.

O MEP apresenta-se ao eleitorado com um discurso que conjuga uma perspectiva de intervenção social-democrata com uma visão democrata-cristã da sociedade (que era o posicionamento ideológico do CDS até ao início dos anos 90). Com fortes possibilidades de eleger deputados nestas eleições, passará a representar uma linha política que estava desaparecida do espectro partidário desde que Manuela Ferreira Leite se tornou líder do PSD e impôs uma orientação política mais conservadora, a social-democracia de direita, o que lhe confere um bom espaço de crescimento futuro.

O MMS propõe algumas medidas de orientação liberal e outras de cariz social-democrata. Disputa os eleitores que se identificariam mais com um PSD liderado por Pedro Passos Coelho do que por Manuela Ferreira Leite. Independentemente do resultado que obtiver nestas eleições, poderá tornar-se a voz das correntes liberais na sociedade portuguesa.

O PPV representa a direita católica mais conservadora. Apresentando-se a estas eleições como um partido quase “monotemático”, concentrado no combate à lei da Interrupção Voluntária da Gravidez, não deverá conseguir captar muitos eleitores. Mas evidencia que existe um espaço político por preencher à direita do CDS.

A criação destes partidos não é circunstancial. É uma consequência do afunilamento ideológico que marcou a direita nos últimos anos, sobretudo o PSD. Este tornou-se um partido menos plural e os cidadãos encontraram formas de restabelecer o pluralismo político – criaram novos partidos que os representassem.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Patologia ou demagogia?

Alguém faz o favor de chamar Santana Lopes à realidade? É que já nos bastavam os delírios persecutórios de Cavaco, para agora termos de assistir aos delírios de omnipotência de Santana. Ou então está mesmo confuso e julga que está a concorrer para Primeiro Ministro.

O cartaz em que nos aparece a dizer "Comigo o aeroporto fica em Lisboa" só pode ter uma de duas leituras:

Se ele segue a óptica de Manuele Ferreira Leite de só prometer o que sabe que pode cumprir, então o caso é patológico, porque está a delirar (pois não pode ser ignorância sobre as funções do cargo de Presidente de Câmara, pois já ocupou o lugar).

Mas, a bem da sua saúde, talvez o caso não seja esse; talvez saiba bem que mesmo que seja eleito nunca poderá assegurar essa promessa. Ainda bem para ele que os cartazes da Manuela Ferreira Leite já foram quase todos retirados - acho que a fotografia dela ia ficar mais rosada, de vergonha.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O comentário desportivo de Cavaco

Não vejo programas televisivos em que se discute sobre futebol, mas quando por lá passo a meio do zapping vejo sempre as mesmas posturas: quando a bola bate na mão de um jogador da minha equipa é sempre "bola na mão", mas se for da equipa adversária é de certeza "mão na bola".

Cavaco disse-nos isso mesmo.

Segundo ele, não há problema nenhum em que um cidadão, que por acaso é membro da Casa Civil da Presidência da República, manifeste as suas preocupações pessoais a um jornalista, mesmo que se a propósito de uma suposta vigilância do Governo à Presidência. Eram só as legítimas preocupações de um cidadão. Foi "bola na mão".

Mas existirem dois deputados do PS a exigirem que o presidente esclarecesse se havia assessores seus a participar na elaboração do programa eleitoral do PSD, tal como tinha sido noticiado na comunicação social e replicado no site do PSD, isso sim é muito grave. Para Cavaco, foi "mão na bola".

Sei que é muito difícil para um comentador desportivo distanciar-se do seu afecto clubístico. E, como é sabido, os afectos interferem na percepção e no juízo. Será com esta visão que poderemos condescender com Cavaco. Mas não é isso que esperamos de um Presidente da República.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Um novo dia para a esquerda portuguesa?

A esquerda ficou com 127 deputados, a direita com 99. A esquerda parlamentar teve 54,4% dos votos, a direita 39,6%.

A preferência dos eleitores é clara, querem que a esquerda governe. Mas será que os três partidos se conseguem entender para viabilizar um governo de esquerda?

No discurso de vitória, Francisco Louçã disse que começava um novo dia para a esquerda portuguesa. Presumo que sabe que isso só acontecerá se a esquerda à esquerda do PS aceitar responsabilidades ao nível governativo, o que não acontece desde os governos provisórios do pós-25 de Abril. É que todas as outras soluções já não são novidade - o PS aliar-se ao CDS, ao PSD ou gerir um governo minoritário com acordos pontuais à direita e à esquerda.

Bem vistas as coisas, talvez não seja um novo dia para a esquerda portuguesa.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Cavaco já falou

Pacheco Pereira tem meia razão: Cavaco tem de falar. Mas só tem meia, porque Cavaco já falou.

Primeiro, ainda em Agosto, falou quando se manteve calado, não desmentindo as suspeitas de que a Presidência estaria a ser vigiada. Não desmentindo, confirmou.

Depois, disse que depois das eleições iria pedir esclarecimentos sobre questões de "segurança". Todos o percebemos o que dizia. Portanto, falou.

Falou apenas o suficiente para manter a suspeição, não para a esclarecer. E, soubemos entretanto, esta suspeição que não quis esclarecer e que preferiu alimentar teve origem na própria Presidência.

Então, do que é que Cavaco ainda não falou? Das suas motivações.

Terá sido por se achar mesmo vigiado? Mas nesse caso não faria mais sentido exigir uma investigação (aos militares sob sua alçada, por exemplo) do que tentar plantar uma notícia sobre o assunto?

Terá sido para fragilizar o governo? Não sei, mas a forma como agiu parece indicar nesse sentido.

Fico à espera de que fale. Se não falar, esperarei que se demita.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O jornalismo é feito para informar?

Já estou farto de tanta desinformação. Surge uma notícia num dia e durante os dois ou três seguintes faz-se campanha em torno disso. Mais tarde vimos a saber que a notícia era falsa.

Agora é esta:
"A proposta para o congelamento da nota de "Muito Bom" ao Juiz Rui Teixeira foi da autoria de Laborinho Lúcio, elemento indicado pelo Presidente da República e que chegou a ser ministro da Justiça e não dos três elementos indicados pelo PS como aventado numa primeira fase. O caso foi mesmo usado pelo PSD para acusar o PS de perseguir juízes que prendem membros do PS." (RTP.pt)

Mas não serão os jornalistas responsáveis pelas notícias que publicam? Porque é que publicaram a notícia (e a repetiram sucessivamente) sem confirmar os factos? Ainda por cima, pelo que se sabe agora, a suspensão da nota foi feita de acordo com o definido na lei e não por qualquer perseguição política.

É verdade que depois os casos vão sendo esclarecidos, mas fica sempre a suspeição. E, entretanto, serviram para influenciar os resultados eleitorais e denegrir a imagem de alguém. Para mim, quem fica com a imagem denegrida são os jornalistas que se prestam a estes fretes (porque é evidente que as notícias falsas não são inocentes) e os políticos que as aproveitam para fazer campanha contra os adversários.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Alterações climáticas

Enquanto no Ártico se abre a nova rota do nordeste, em Portugal começam a notar-se também com maior violência as consequências das alterações climáticas. É o degelo. As pontas dos icebergues derretem, deixando à vista de todos o que durante muitos anos esteve submerso em águas lamacentas.
O Director do Público nunca procurou esconder o seu fervor neo-conservador em tempos de guerra, nem abandonou o espírito messiânico quando, em clima de paz, desmontava tudo o que o Governo apresentava. Ficam-lhe mal as suspeitas que levanta no editorial de hoje contra o Presidente da República, como se de repente pudesse chamar a si uma qualquer vox populi. Não houve cá 'das duas uma' quando se tratou de publicar o 'caso' em Agosto. Não imagino quem ainda possa estar interessado nos seus factos, questões ou hipóteses.
O que o Director do Público parece não compreender - e o seu editorial de hoje não é mais do que prova disso - é que investigação faz a polícia e moral a igreja. Aos jornalistas cabe INFORMAR. Ultimamente temos tido pouca informação, menos ainda informação com rigor e bom senso.
Só lhe resta mesmo fugir para Bruxelas onde, à sombra de Barroso - sabiamente convertido ao partido da Europa -, poderá começar o reagrupamento familiar.
Não voltem.

À distância de um evangelho

O watergate à portuguesa vem mostrar que Cavaco Silva e Manuela Ferreira Leite estão separados por um evangelho.

Enquanto Manuela Ferreira Leite se inspira no Novo Testamento, seguindo de forma dedicada o seu messias (que lhe deu o fantástico argumento da asfixia democrática), Cavaco é mais leitor do Antigo Testamento. Ao sacrificar o seu fiel Lima, nada mais dizendo sobre o assunto, Cavaco elegeu Lima como o seu bode expiatório que, como no Levítico, com o seu sacrifício limpava os pecados humanos.

Nota: não é por acaso que neste texto nunca uso a expressão "Presidente da República". Recuso-me a aceitar que este episódio tenha sido obra do "Presidente". Quando muito poderá ter sido o Cavaco, que um "Presidente da República" não comete indignidades.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Da mediocracia na Europa

O casamento mais do que anunciado entre media e políticos mediocres traz com ele este novo regime que a pouco e pouco se vai instalando em Portugal: a mediocracia.
Que tudo isto aconteça em período de campanha eleitoral não podia ser mais lamentável. Triste, diria mesmo. A escolha já não era tão fácil para os eleitores como porventura o foi no passado. A crise financeira e económica cada vez cheira mais a social. E quando o que era preciso era concentração e reflexão em torno de projectos de sociedade, o burburinho aumenta até se tornar ensurdecedor.
Parece-me a mim que chegou a vez da geração pós-25 de Abril. É a hora!

domingo, 20 de setembro de 2009

Da riqueza

Bem sei que estamos em período de eleições e que o curto prazo leva a melhor sobre o longo prazo, mas nada impede que haja debates paralelos na sociedade portuguesa.
Neste momento, sinto a falta de dois.
Um deles prende-se com a reforma do sistema financeiro internacional, e bem se pode dar o caso das colinas de Pittsburgh parirem muitos ratos. A questão dos bónus na grande finança pode ser emblemática, mas recordo-mo que no pico da crise se prometeram grandes mudanças no sistema financeiro internacional. Aumentou-se exponencialmente o orçamento do FMI, mas não se mudaram as regras. Será que a recuperação económica não vai fazer com que se esqueça essa bandeira?
O outro tem que ver com a medição da riqueza e não vejo por que não nos deveria interessar. A Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi entregou o seu relatório (http://www.stiglitz-sen-fitoussi.fr/en/index.htm) a semana passada. Seremos nós mais felizes por ter um PIB per capita maior do que o vizinho? Mais do que uma simples questão de medição da riqueza, está em causa a sociedade em que vivemos e aquela em que gostaríamos de viver.
Estes dois debates encerram em si a potencial marca que a nossa geração poderia deixar às vindouras. Ainda vamos a tempo de fazer parte da evolução.

sábado, 19 de setembro de 2009

Ingénua, eu?

Nota prévia: para uma total compreensão do texto que se segue, aconselha-se a leitura da saga Millenium (também serve ter visto o filme).

Ora até que enfim que o grande jornalista Luciano Alvarez, inimputável defensor da moral pública e pregador de costumes tão nobres como não fumar em aviões fretados, se mostra a nós sob uma outra luz.
Em primeiro lugar, há a lamentar as calinadas graves na língua portuguesa tais como 'conseguir-mos' ou 'pudemos falar'. Depois, o facto de, não podendo falar pelo telefone por temer escutas, este profissional do jornalismo pôr por escrito matéria deste teor. Sim, que tal como Ségolène Royal defendia que cada mulher que voltasse tarde do trabalho para casa fosse acompanhada por um polícia, também o Estado português disponibiliza um controleiro para cada cidadão com idade para usar o telemóvel.
Só estes dois simples exemplos, conhecendo-se o prestígio jornalístico da pessoa em causa, já nos deviam suscitar dúvidas sobre a veracidade do dito e-mail. Mas vindo o director do jornal insinuar que a correspondência interna do jornal tinha sido violada, quiçá se pelos serviços secretos, controlados pelo Primeiro Ministro, tudo nos leva a acreditar que houve correspondência, que afinal terá sido manipulada. Enfim, um enredo digno de uma telenovela venezuelana...
Acho, sinceramente, que, com campanha ou sem campanha, o Senhor Presidente da República nos deve uma explicação. Ou seremos todos ingénuos?
Por isso lhe deixo aqui um apelo para que fale, explique, prove. Senão, passarei a ir para a cama sempre com a sensação de que, enquanto durmo, o SIS, qual Lisbeth Salander, me está a entrar pelo computador dentro e a copiar o disco duro.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Portugal num relance

A Revista Visão de hoje traz um interessante dossier que pretende fazer um retrato-síntese da situação de Portugal em diversas áreas, como a educação, a saúde ou a ciência. Trata-se de uma leitura interessante, que nos permite ficar com uma ideia geral acerca da situação do país em algumas das áreas mais importantes.

Ficamos assim a saber que, apesar de em alguns campos estarmos bastante mal (por exemplo, os portugueses estão cada vez mais endividados), há outras em que se têm registado excelentes progressos, destacando-se as áreas sociais e a saúde.

Mas no melhor pano cai a nódoa.

No capítulo dedicado à administração pública surge um título: Públicos e bem pagos. Aí refere-se, em destaque, que os funcionários públicos auferem um ordenado médio 73% superior ao do resto da população (dados de 2005). Esta informação parece um bom argumento para sustentar a ideia de que os funcionários públicos são uns priveligiados. Não digo que o sejam ou não (provavelmente sim em algumas coisas e não noutras). O que digo é que estes dados não contribuem para essa análise, pois comparam universos com formações académicas muito diferentes, dado essencial quando se comparam remunerações.

É que no mesmo dossier, uns quadros mais à frente, vemos que 49% dos funcionários públicos tinham em 2005 formação superior. E uns quadros mais atrás podemos ler que em 2007 só 12% dos portugueses tinham curso superior.

Uma análise esclarecedora compararia os salários para cada nível de escolaridade. Apresentar os dados sem essa análise e fazer títulos como os apresentados serve mais para desinformar do que para esclarecer.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Ouvi dizer que...

Infelizmente, e à semelhança do que aconteceu nas eleições europeias, voltámos à política personalista e do ataque pessoal, esquecendo-nos do objecto e do objectivo do voto.
Na pré-campanha para as legislativas, os dois principais partidos apostam acima de tudo nos seus líderes, com o PSD numa estratégia clara de ataque, tanto na frente externa como interna.
O PS, demasiado dependente da figura do líder, imparável e imbatível em campanha, torna-se um alvo fácil, com as infidáveis tentativas de criar um clima de suspeição em torno de José Sócrates. Suspeição sem provas cabais, que não ata nem desata, suspeição que paira, suspeição rumorosa, lembrando Santana Lopes e os colos de 2005. Não há rumores mais maléficos para um político do que os que dizem respeito à sua vida privada, ao enriquecimento à custa do Estado ou, em tempos de liberdade e democracia, a derivas autoritárias e controladoras. 'Não é pessoa séria', clama o povo, como se isso atestasse a sua própria seriedade e não uma invejazinha velada. A verdade é que toda esta suspeição não faz mais que limitar a parte racional da escolha, do voto, limitando assim a própria democracia.
Por isso a campanha personalista serve sobretudo o PSD, que não tem mais propostas para apresentar aos eleitores para além do já conhecido suspender, rasgar, congelar. Mas serve-o também porque muitos dentro do PSD aplicam esses mesmos verbos a Manuela Ferreira Leite, assistindo paulatinamente à desgraça da sua líder, imparável e incontrolável quando não está entre quatro paredes, agarrada a um discurso decorado frente ao espelho que pertencera à bisavó.
Já era altura de se discutirem projectos para Portugal, ou o objectivo é continuar a discutir quem é mais sério, mais humilde ou mais sexy?

"Fuck them", senhor presidente do Governo Regional da Madeira?

Os portugueses costumam olhar para Alberto João Jardim com uma tolerância especial. É habitual dizer "ele é mesmo doido", mas encolher os ombros perante os disparates que diz. Desta vez, como de outras, foi longe demais.

Tendo mandado foder (porque o seu mau inglês não retira significado às palavras que proferiu) todos aqueles que se preocupam ou criticam o facto de Manuela Ferreira Leite ter usado meios do estado (um carro do Governo Regional) para fazer campanha eleitoral, agora insultou-me a mim. E isso eu não aceito. Como não sou mal educado como esse senhor não o mandarei também foder.

Presumo que a maioria dos portugueses, incluindo o Presidente da República (que se costuma preocupar com o uso indevido dos bens públicos), também não o mandarão foder. Mas sentir-se-ão insultados.

Manuela Ferreira Leite tem agora a oportunidade de demostrar que tem coluna vertebral, que o seu discurso sobre a seriedade na política tem algum significado para ela. Mas parece que nada fará.

Há alguns meses eu acreditava que essa postura era autêntica, que Manuela Ferreira Leite era uma mulher com um verdadeiro sentido de seriedade e verticalidade política, mas concluo agora que essa imagem que muitos tínhamos dela era sobretudo por não a conhecermos bem. É que todos sabíamos quem era, mas na verdade só conhecíamos aquilo que dela diziam, não ela própria.

Na campanha teve de se expor, dando-se a conhecer directamente, sem intermediação. E o resultado é francamente decepcionante. Prega a Verdade (assim, com maiúscula) e moralização da vida política, mas afinal tem um comportamento político absolutamente condenável.

Da classificação da Madeira como "bastião da democracia" onde não há "asfixia democrática" (ao contrário do que afirma existir no continente) à inclusão de António Preto nas listas de deputados, Manuela Ferreira Leite tem mostrado prosseguir valores bem distintos daqueles que professa.

Tendo baseado a sua campanha na Política de Verdade, quando esta cai por terra, sobeja muito pouco.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Bússola eleitoral

Aqui fica uma ferramenta útil para cada um poder fazer uma análise do seu perfil político, a partir da resposta a uma série de questões que são colocadas neste site.

Para aceder à bussola eleitoral clique aqui

terça-feira, 1 de setembro de 2009

O dilema da esquerda

(Artigo de opinião publicado por HB no Diários de Notícias, em 29 de Agosto de 2009)

As esquerdas têm muito que as divide, mas têm em comum o mais importante: os valores fundamentais.
A ideia de que existe uma responsabilidade colectiva dos cidadãos, da sociedade, perante os restantes cidadãos é o ponto fulcral desses valores. E é também a linha divisória que distingue a direita e a esquerda.
É isso que faz com que a esquerda defenda o Estado social, que é, afinal, a forma de colectivamente nos responsabilizarmos pelo destino de todos, concretizando assim o princípio da solidariedade.
Por não partilhar deste valor, Manuela Ferreira Leite defendia há dias, na sua crónica no Expresso, que o que deve existir é mais caridade na sociedade. A caridade é um acto de generosidade (e muitas vezes não passa de um acto de alívio da consciência), não de responsabilidade.
A distinção não é apenas terminológica: solidariedade versus caridade. É profundamente ideológica, mas com claras consequências práticas, condicionando a forma como se olha para os mais desafortunados: como pessoas que têm direito a receber apoios sociais ou como pessoas a quem se faz a “bondade” de atribuir esses apoios.
Apesar de frequentemente o Bloco de Esquerda e o PCP acusarem o PS de fazer uma política de direita, a verdade é que reconhecem que todos pertencem ao mesmo campo ideológico, pois partilham os valores fundamentais.
Isto deveria tornar mais fácil a construção de entendimentos entre eles e é incompreensível que por vezes não consigam chegar a soluções de compromisso em que todos cedam um pouco.
O exemplo da Câmara de Lisboa, que Santana Lopes pode ganhar, é paradigmático. Mas as eleições legislativas serão o verdadeiro teste à capacidade da esquerda para se unir pelo bem comum.
Todas as pessoas de esquerda, mesmo aquelas que estão insatisfeitas com o PS, querem que este vença as legislativas. Umas querem que forme governo sozinho, outras preferem que faça acordos com os partidos à sua esquerda, mas todas querem que ganhe.
Porém, como constatámos nas eleições europeias e pelo que dizem as sondagens que têm sido publicadas, pode ser que isso não aconteça.
A maioria dos portugueses olha para estes dados com incredulidade: nem lhes passa pela cabeça que o PSD, fraco como está, possa ganhar.
Só que o PSD não precisa de conquistar muitos votos, basta-lhe conseguir mobilizar o seu eleitorado fiel. A convicção generalizada de que não ganhará encarregar-se-á de fazer o resto, levando a que muitas pessoas que poderiam votar no PS (o que fariam se achassem que o que estava em causa era ganhar o PS ou o PSD) votem no BE ou na CDU, com a ideia de que isso irá empurrar o PS para a esquerda.
Sabendo que bastará que o PSD tenha mais um voto do que o PS para Cavaco Silva convidar Manuela Ferreira Leite a formar governo, muitos eleitores de esquerda sentem estar perante um dilema: gostariam de votar à esquerda do PS para mostrar a este o caminho que deve seguir, mas se o fizerem há o risco de o governo ser de direita. Um governo PSD-CDS que, com o beneplácito do Presidente da República, reduzirá o papel do Estado social à perspectiva de caridade em que Manuela Ferreira Leite se inspira.
Será um dilema difícil de resolver para muitos, mas é fundamental que o seja em plena consciência das consequências de cada uma das opções, pois o que está em jogo é demasiado importante para permitir leviandades.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Leituras de férias




Não tenho por hábito ler programas eleitorais, mas este ano que o seu lançamento coincidiu com um período de férias em que me muni parcamente de leituras, admito que até pode ser um exercício quase tão relaxante como os 'Patinhas' que a minha mãe só me deixava ler na praia.

Depois de uma passagem pelos panfletos do BE, que recomendo para quem gosta de BD barata no universo do fantástico, com propostas tão assertivas como irrazoáveis, como seja a política de nacionalizações em massa, chega o tão ansiado volume do PSD, que só peca mesmo por não ter bonecos.
E não os tem porque os bonecos somos nós. Bonecos que eles prometem emancipar do Estado, para depois poderem acabar, sem remorsos, com o papel do Estado num desenvolvimento económico e social mais justo. Daí o novo conceito de 'desenvolvimento económico, social e pessoal'. Formem-se e enriqueçam-se pessoalmente os que podem - sim, que além do conceito, não encontro lá nada de concreto para a sua implementação e muito menos para a sua generalização -, que o Estado não está cá para sustentar malandros.
Não está mal pensado, mas podiam ter feito melhor. Bem dizia o meu professor da primária que o uso abusivo de advérbios de modo denota pobreza de ideias. Do positivamente ao intoleravelmente, designadamente, estão lá muitos.
Mas, em abono da verdade, eles avisaram.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A campanha e os homens do Presidente

O PS cometeu dois erros nesta polémica, ambos com benefícios eleitorais para o PSD:

1) ter feito a acusação de que assessores da Presidência estavam a colaborar na elaboração do programa do PSD;

2) ter-se deixado arrastar para uma discussão sobre se os assessors estão ou não a ser vigiados, exigindo que Cavaco se pronuncie sobre o assunto.

O primeiro erro foi tentar associar a Presidência da República à campanha do PSD.

A associação do PSD à Presidência pode levar alguns eleitores do centro (que votaram em Cavaco nas eleições presidenciais) a pensar que o PSD não está tão descridibilizado como parece, pois até tem o apoio da equipa de Belém e talvez do próprio Presidente. Talvez considerassem abster-se, ou até votar num outro partido (CDS, PS ou até no MEP), mas poderão pensar que se o Cavaco apoia o PSD é porque essa é a melhor escolha.

A associação Cavaco-PSD é uma estratégia que poderá (e deverá) ser utilizada nas eleições presidenciais, pois é negativa para Cavaco Silva, mas para o PSD de Manuela Ferreira Leite é uma boa ajuda.

O segundo erro é persistir na polémica com a Presidência, dando a ideia de que esta está meesmo em guerra com o Governo. Mais uma vez, prejudica Cavaco, mas beneficia o PSD.

Sócrates esteve bem, a desvalorizar a polémica como uma brincadeira de Verão, mas alguns correligionários não foram capazes de se conter. O PSD agradece.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Sem plano B para o partido nem plano A para o país.

Como num jogo de póker, Manuela Ferreira Leite pôs as fichas todas na mesa, mas não mostra o jogo. Espera que lhe dêem a vitória sem ter de o mostrar, pois se for obrigada a isso sabe que perderá.
Penso que o discurso acerca da "Verdade" é sincero, pois a sua formação católica ainda ancora em conceitos pré-modernos. Daí usar expressões como "a finalidade do casamento é a procriação" ou falar de "um apelo à humanidade para mudar de caminho, baseado na caridade".
Para ser fiel a si mesma, à sua ideia de "Verdade", teria de clarificar as suas posições: explicar porque é que considera que o salário mínimo devia ser mais baixo (sim, porque se opôs ao seu aumento), dizer-nos que pretende privatizar (ou será piratear?) parte da segurança social, acabar com a gratuitidade do Sistema Nacional de Saúde, etc.
Assim, mais vale não falar, não apresentar propostas. Cada vez que o fizer estará a perder votos e isso agora é tudo o que conta.

Os moços fizeram um 31

Convenhamos, a coisa até teve piada. Foi um acto subversivo feito com inteligência e humor.
Ainda bem que não vivemos numa monarquia, senão os rapazes ainda passavam uns bons anos na prisão, que as monarquias costumam ser muito sequiosas dos seus símbolos.
Acho que têm pouco sentido de humor...
Felizmente para nós, a causa monárquica portuguesa tem muito mais piada.
Entre um pretendente ao trono que é uma piada viva e um partido monárquico cujo presidente... "Presidente"? Mas o partido monárquico é chefiado por um "presidente"? Ficava-lhe melhor um rei!
Enfim, o "presidente" do tal partido monárquico diz que o pretendente ao trono é um usurpador, o seu primo é que devia ser rei.
Talvez a disputa se pudesse resolver num duelo, com espadas de pau para não se magoarem. Seria um duelo só a brincar, como esta história de restaurar a monarquia.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Ele sai. E ela?



Já terá cumprido a sua missão moral ou ainda vamos ter mais publicidade gratuita ao Freeport às 6as feiras?

Da renovação na política - worst practices


Concordo com aqueles que defendem que a renovação da vida política contribui para alargar e enriquecer o nosso espaço público e entendo que a política não pode ser só razão, tem também que mobilizar paixões em torno de projectos democráticos de futuro. Envolver as pessoas, convidá-las a participar, co-responsabilizá-las na resposta aos desafios comuns. Não basta ouvir...
Se alguém me conseguir explicar de que forma as listas do PSD para as legislativas contribuem para a dita renovação, agradeço. Talvez devamos começar por nos entender sobre o significado da palavra 'renovação'. É renovar trazendo caras novas e políticos mais novos/jovens ou apenas renovar mandatos e púlpitos a quem já anda na política há muitos anos?
Continuamos a política de verdade ou rendemo-nos aos sempiternos sectarismos e gregarismos que caracterizam a política portuguesa?
Com tamanha renovação, pergunto-me que papel está reservado, em caso de vitória, para as ordes de defensores de Manuela Ferreira Leite, que todos os dias dão um ar da sua graça na blogosfera.
A escolha ainda é nossa.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Ouviram os portugueses?

Os cartazes do PSD com o tema "Ouvimos os portugueses" são uma de duas coisas: a demonstração do vazio político em que se encontra o PSD ou a confissão de que habitualmente os seus procedimentos são tudo menos correctos.

A minha memória reteve três frases: "Prometam só o que podem cumprir" (que pretende justificar o atraso no programa eleitoral e a ausência de propostas concretas), "Façam política com as pessoas" e "Olhem por quem mais precisa".

A primeira hipótese, a de que os cartazes demonstram o vazio político, deve-se ao facto de as frases nada dizerem. As mensagens são absolutamente óbvias e banais, pois podiam ser ditas por qualquer político, de esquerda ou de direita, pois são aspirações gerais.

A questão prende-se em como concretizar essas aspirações gerais, como é que se vai dar resposta a pedidos como "Olhem por quem mais precisa". Isso o PSD omite. Mas Manuela Ferreira Leite já nos esclareceu na sua crónica do Expresso de 11 de Julho, intitulada "Caridade na Verdade", em que elogiando o Papa, fala de "um apelo à humanidade para mudar de caminho, baseado na caridade, na verdade, como forma de atingir metas ao alcance dos homens." Pois bem, o PSD vai olhar para quem mais precisa através da caridade.

A segunda hipótese, a de que o PSD está a confessar que as suas práticas habituais são condenáveis torna-se evidente quando se questiona porque é que essas frases parecem ter algum conteúdo para o PSD: só se antes não faziam as coisas assim.

"Prometam só o que podem cumprir". Porquê? Antes prometiam coisas que sabiam que não cumpririam? "Façam política com as pessoas". Porquê? Antes não o faziam?

Isaltino condenado, mas outros acusados a caminho da AR

Isaltino Morais foi condenado a sete anos de prisão efectiva e perda de mandato. Irá recorrer, obviamente, o que fará com que a sentença, a ser confirmada, só o será daqui a alguns anos. Mas mais do que a decisão judicial, que não transitou em julgado e que me abstenho de comentar, importa pensar nas consequências políticas.

Desde logo, para o próprio. Isaltino não tem condições políticas para permanecer na política activa, pelo que se deve demitir e não se candidatar às próximas eleições. O PSD esfregaria as mãos de contente, porque recuperaria a Câmara de Oeiras. A bem da democracia, é isso que deveria acontecer, pois a democracia não é apenas eleições, é também respeito pelos cidadãos e pelos órgãos de soberania, neste caso da justiça.

Para o PSD a decisão não podia ter ocorrido em pior altura, mas por responsabilidades próprias. É que esta direcção do PSD não só não deu seguimento à proposta feita pelo próprio partido nos tempos da liderança de Marques Mendes, que proibiria a candidatura de pessoas acusadas por crimes exercidos durante os seus mandatos, como ainda por cima incluiu nas listas de deputados António Preto e Helena Lopes da Costa, ambos acusados em processos-crime.

Manuela Ferreira Leite tem agora de resolver o problema. A primeira hipótese seria excluindo esses candidatos das listas. Mas como é que justificaria essa exclusão? Se fosse consequente com o seu discurso moralista implícito no slogan "Política de verdade", teria de assumir que essa exclusão era apenas porque as pessoas tinham reparado na inclusão desses candidatos e ela tinha medo de perder votos com isso.

Mas para todas as coisas há sempre alternativa. Podem ser os candidatos a auto-excluirem-se, evitando que tenha de ser a líder a fazê-lo. Querem apostar que é isto que vai acontecer?

Mas mesmo assim, valerá a pena perguntar a Manuela Ferreira Leite porque é que escolheu esses candidatos.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Memórias de Bad Godesberg

Não sendo caso único em política comparada, continuamos a interrogar-nos por que razão um País como Portugal, maioritariamente de esquerda, é por vezes governado pela direita. Resposta pronta e muito recordada nestes últimos dias: porque a esquerda em Portugal não se consegue unir.

Defeito da esquerda? Provavelmente será. A esquerda continua com problemas de identidade - sobretudo face à esquerda -, essencialmente porque os valores (a estrutura) são muito mais difíceis de adaptar à mudança do que os tiques e os leitmotivs movediços da verdade (a conjuntura) de alguma direita.

Ser de esquerda hoje deveria implicar assumir ideologicamente os valores da esquerda, sem pôr em causa a natureza capitalista do sistema. Aceitar o papel do conhecimento, da tecnologia, da inovação na chamada ‘nova economia’ (que já leva uns aninhos), mas moldando-a, pondo-a não ao serviço do consumidor, mas do cidadão, e evitando que se torne nova fonte de desigualdades. Desenvolvendo políticas por uma sociedade mais justa e mais equitativa, recusando discursos fatalistas do tipo 'quem me dera a mim ser rica, mas Alguém assim não o quis e como eu não me vou pôr a roubar, também nunca sairei desta minha condição', utilizando o papel do Estado para corrigir essas desigualdades.

E o curioso é que, apesar de ser a direita que leva o discurso fatalista-derrotista, existe uma certa impressão instalada (talvez por culpa de alguma esquerda) de que esquerda é imobilismo, de que com ela não haverá progresso palpável, de que o nosso País nunca sairá dos últimos lugares dos rankings europeus e de lugares medianos nos internacionais. E nós que inventámos a globalização! Nós que já partilhámos o mundo com os Espanhóis! A verdade é que, tanto à esquerda como à direita, Portugal ainda não foi capaz de dar resposta às principais tendências que atravessam hoje a nossa economia e a nossa sociedade.
À direita, adoptou-se o laissez-faire, laissez-passer (ou o rasgue-se, numa versão mais pró-activa), que é sempre útil quando não se quer gastar demasiado tempo a pensar em soluções, nem demasiado dinheiro a corrigir efeitos perversos e criadores de desigualdade. Nunca é de mais recordar que a crise actual é consequência destas atitudes.

À esquerda, critica-se a esquerda que renegou princípios supostamente basilares e a esquerda que aceita o sistema capitalista, descartando qualquer união e pondo assim em risco o Estado-providência.

Lá porque há vozes que não mudam desde os tempos de Argel, isso não deveria impedir os partidos de se adaptarem e responderem às novas realidades.

A escolha ainda é nossa.

Sondagem - Esquerda com mais de 50%, mas PSD pode ganhar

As esquerdas têm muito que as divide, mas têm em comum o mais importante: os valores fundamentais.
A ideia de que existe uma responsabilidade colectiva dos cidadãos, da sociedade, perante os restantes cidadãos é a linha divisória que distingue a direita da esquerda.
É isso que faz com que a esquerda defenda o estado social, que é, afinal, a forma de colectivamente nos responsabilizarmos pelo destino de todos. É o princípio da solidariedade.
É por não partilhar deste valor que Manuela Ferreira Leite defende que deve existir mais caridade na sociedade. A caridade é um acto de generosidade (apesar de muitas vezes não passar de um acto de alívio da consciência), não de responsabilidade.
O que distingue os partidos de esquerda são diferentes visões acerca do grau até onde vai essa responsabilidade e as formas de a concretizar.
PS, BE e PCP, apesar das divergências, fazem parte do mesmo campo.
Isto deveria tornar possível a criação de entendimentos à esquerda e é incompreensível a incapacidade de se chegar a situações de compromisso em que todos cedam um pouco. O exemplo da Câmara de Lisboa, que Santana Lopes pode ganhar, é paradigmático.
Mas esses acordos têm de ser pós eleitorais. Antes o PS tem de conseguir mais votos do que o PSD.
Mas não é atacando o BE ou o PCP que o vai conseguir, é afirmando os seus valores de esquerda, única forma de recuperar muitos potenciais abstencionistas e também alguns eleitores que, apesar de ideologicamente mais próximos do PS, poderão votar no BE com a ideia de que este poderá influenciar o próximo governo do PS, empurrando-o para a esquerda.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

A silly season mesmo aqui ao lado...


E ainda sonham com a união ibérica.
Está visto que não nos conhecem.

Poderia o Ministério da Educação ser diferente?

Um texto recente, da autoria de Helena Damião, Pedagoga, sustenta que o Ministério da Educação não podia ser diferente, porque é politicamente incorrecto defender as ideias para a educação que realmente deveriam ser implementadas. E como o que acontece com todos os políticos é quererem apenas conquistar o poder, não fazem o que devem, mas o que o povo quer ouvir.

Estou em total desacordo. Claro que o Ministério da Educação poderia ser diferente. Para melhor e para pior. É tudo assim na vida.

A ideia de que todos os políticos fazem o mesmo, que tentam esconder a verdade e que o seu único interesse é manter o seu poder é fácil de defender, mas é absolutamente populista.

Antes de mais é uma generalização que, como todas, é injusta. O politicamente correcto impede-nos de dizer que "todos os ciganos são..." ou "todos os funcionários públicos são...", mas parece que já fica bem dizer "todos os políticos são...".

É também uma ideia completamente anti-democrática. Se os políticos são todos maus, qual será a melhor forma de governo?

Um governo de especialistas, presume-se do texto. Pois se a educação deve ser deixada aos professores, que são os especialistas, e "por princípio, os encarregados de educação e pais não se devem pronunciar em matéria de ensino formal", também a justiça deve ser apenas gerida apenas por magistrados e a agricultura por agricultores.

Não! A educação, a justiça, a agricultura e todas as outras funções do estado devem ser sujeitas ao processo democrático. A sociedade deve escolher o seu futuro e a democracia (que implica a existência de políticos) é a melhor forma de o fazer. Ou, como dizia o Sérgio Godinho, "é o pior de todos os sistemas, com excepção de todos os outros".

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Coitados dos ricos

À falta de propostas concretas, temos de ir percebendo o posicionamento político pela análise do discurso.

Na conferência do Diário Económico de hoje, Manuela Ferreira Leite expressou a sua preocupação com o que designou de "uma quase perseguição social" dos ricos.

Concordo com a Drª Manuela, deve ser muito mau ser rico. São uma das classes sociais mais prejudicadas. Não percebo é porque é que, na mesma ocasião, disse que só tem pena de não o ser (rica). Para ser perseguida? Mais valia ser pobre, não é verdade?

Claro que ninguém quer que os ricos sejam perseguidos. Como ninguém quer que o sejam os pobres, a classe média, os negros ou os brancos. Mas escolher como alvo de preocupação os ricos, como se existisse algum risco para eles, é muito revelador. E o que se revela é a sensibilidade social de Manuela Ferreira Leite.

O diabo está nos detalhes

Com as eleições à vista, os protagonistas políticos multiplicam-se em declarações acerca dos mais variados temas. O objectivo, claro está, é tocar o maior número possível de pessoas, umas mais sensíveis a uns temas, outras a outros.

É fácil para os políticos fazer declarações com que toda a gente concorda, sobretudo quando se produzem apenas sound bites, sem fazer propostas concretas. Por vezes fazem-se propostas genéricas, que obtêm facilmente a concordância de todos, mas evitam-se os pormenores. Que o diabo está nos detalhes.

Quem não concorda com declarações como "deve haver uma maior protecção da infância", "os pensionistas devem receber pensões dignas", "temos de construir um ensino de qualidade". Mas o que é que significa cada uma destas afirmações? Sem a apresentação de propostas concretas estas afirmações podem produzir um bom efeito mediático mas nada revelam sobre o que se pensa fazer.

Vem isto a propósito do programa de governo "minimalista e genérico" que o PSD diz que vai apresentar. Minimalista e genérico? Quer dizer que não vai explicar o que se propõe fazer? Então como é que os eleitores podem escolher?

Números, verdades, realidades


O que nunca falta em campanha são números e gráficos para apoiar programas e sublinhar tendências e divergências. Ao tratamento que lhes é dado pela comunicação social voltarei mais tarde.

Gosto particularmente daqueles números que parecem inócuos e acabam por desvelar realidades desconhecidas. Se vos disser que as refeições escolares passaram a ser servidas em 94% das escolas (contra 30% em 2004), alguns dirão que bom, outros torcerão o nariz ante a memória viva do que sofreram em algumas cantinas e refeitórios escolares, outros dirão que o papel do Estado não é a nouvelle cuisine e outros ainda baixarão a cabeça com alguma vergonha.

Posto assim, este número pouco significará, tal como tantos outros que na verdade nos escondem realidades pouco palpáveis.

Quando uma amiga me contou que nalgumas escolas (de Portugal) se começaram a servir também jantares, para além dos almoços, para que os alunos não fossem para a cama sem comer, a escola pública ganhou todo um novo significado para mim.

Acabe-se com esta rede social ou rasguem-se só os menus?

Que disparate, o verdadeiro indicador do papel da escola na sociedade são as manifestações de professores, já me esquecia.


A escolha ainda é nossa.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Intervenção cívica

Durante muito tempo a minha intervenção cívica estava limitada às conversas com as pessoas mais próximas. Desse modo expressava as minhas opiniões e, por vezes, tentava influenciar as dos outros. Era, a meu ver na altura, a intervenção que estava ao meu alcance.

Um sentimento acompanhava-me, porém, dizendo-me que eu podia fazer mais, que não bastava agir na minha esfera de influência mais restrita.

Mas era mais fácil não me expor publicamente. Com vários pretextos sempre foi vencendo a parte de mim que me dizia que era melhor manter-me discreto.
Com o tempo as coisas mudaram e hoje considero ser minha responsabilidade ter uma intervenção cívica activa.

Duas coisas contribuíram para isso: a minha tomada de consciência acerca do papel que devo ter na sociedade (se acredito nos valores que defendo, então devo ser consequente e ter a coragem de o fazer publicamente) e a percepção de que está em jogo a construção de um mundo melhor (pelo menos como eu o vejo) e que a minha contribuição, por muito modesta que seja, pode contar para alguma coisa.

Por isso, escrevo neste blog. Para dar o meu contributo.

Em consciência

Porque a política – vivida de forma mais ou menos activa - não é mais do que uma questão de escolhas e de opções, parece-me saudável que se debatam essas escolhas, ideias, programas e alternativas. Por vezes pode até parecer que não há alternativa, mas há sempre diferentes alternativas, opções, caminhos dentro de uma escolha. Já me parece menos saudável que se debatam pessoas ou a ideia que fazemos dessas pessoas. As pessoas interessantes discutem ideias, as outras discutem pessoas.

Para arrumar desde já com problemas de identidade, no dia 27 de Setembro vou votar no Partido Socialista, a menos que me convençam de que essa não é a melhor escolha. Também vou votar no Sócrates, mas acho redutor basear o voto em tigres de papel que ninguém conhece de verdade. Os programas estarão aí, vamos debatê-los e escolher.

A principal razão pela qual não vou votar na Dra. Manuela Ferreira Leite e muito menos no PSD é porque me recuso a ser parte de mais um retrocesso social, económico, político e moral para Portugal. Seria renunciar aos avanços societais conseguidos nestes últimos anos.

E custa-me que haja tanta gente da minha geração a defender Manuela Ferreira Leite. A senhora até diz de si própria que parece uma bruxa, mas não deverá precisar assim tanto de anjinhos da guarda, ou precisa?

Custa-me que a minha geração, que sofreu na pele, primeiro na Educação e depois nas Finanças, a ditadura de quem até gostava de chegar aos calcanhares da verdadeira dama-de-ferro, a defenda assim. Custa-me que aqueles a quem chamaram geração rasca porque tinham e expressavam opiniões, porque ousavam mostrar o rabo a Ministros, se tenham tornado tão seguidistas.

Que sigam então pelo caminho mais fácil. Já está tudo pronto, é só aplicar a receita que a senhora já tem - e de longa data; entretanto, convenhamos, aconteceram umas coisinhas piquenas no mundo. Ninguém lhes pede opiniões ou que pensem. Não, basta o puro seguidismo da direita em torno do líder, e, claro, alguma capacidade de escrever uns textos de desagravo e resistência para saltar em noites de eleições. Sem censura; porque sem capacidade crítica. Porque o modelo, reproduzido ad nauseam, geração após geração, é esse. Só os mais bem-aventurados, de preferência de boas famílias, têm direito de opinião. Dá muito trabalho ter opinião. O verdadeiro dirigismo, a crença cega no establishment não está no PS, está no PSD. Ainda bem que eles vão à Universidade de Verão empinar a matéria.

Resumindo, todos nós teríamos muito a dizer sobre Manuela Ferreira Leite e José Sócrates. Para aqueles que quiserem discutir mais do que as rugas da Manela ou as birras do Zé, aqui fica este espaço aberto.

A escolha ainda é nossa.