segunda-feira, 10 de maio de 2010

E assim se pára um país

Quando soube que Cavaco Silva tinha convidado o Papa para vir a Portugal achei que isso pouco tinha a ver comigo. Tratava-se de uma visita oficial, é certo, pelo que envolvia o Estado português e, como cidadão, alguma coisa tinha a ver comigo. Mas só por essa via.

Entretanto, o governo decidiu que o assunto tinha muito mais a ver comigo. Declarou tolerância de ponto para a função pública.

Ou seja, decidiu que devido à visita do Papa os funcionários públicos não precisam de ir trabalhar. E, assim, aquilo que só remotamente me envolvia, pois não pretendia ir a Fátima nem a nenhuma das missas em Lisboa ou Porto, passou a ser um assunto meu.

Todos os serviços públicos estarão fechados ou a funcionar à mínima. E parece-me que não vale a pena dizer que a mim têm de me atender, que eu sou ateu.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

A religião, o Estado e a ideologia

Camilo José Cela foi um excelente escritor. O facto de ter sido um apoiante da ditadura de Franco, primeiro lutou no exército nacionalista e depois teve o emprego de censor, não diminui o seu mérito literário. Mas o seu nome ficará sempre ligado não apenas às suas qualidades literárias, que o levaram a ganhar um Nobel, mas também ao seu posicionamento político.

Numa escola espanhola, com o nome de Instituto Camilo José Cela, uma estudante muçulmana, de 16 anos, decidiu começar a usar lenço a cobrir o cabelo. O Conselho da Escola proibiu-a de frequentar assim as aulas, tendo esta deixado de assistir às mesmas. O governo socialista de Zapatero opõe-se à decisão da escola, mas o governo regional de Madrid, liderado pelo Partido Popular, apoia a proibição.

Percebe-se então que o nome do colégio não remete apenas para um grande escritor, mas também para um posicionamento ideológico. É que os nomes contam.

E se os nomes contam, porque é que o Estado Português insiste em dar nomes religiosos a bens públicos? Da ponte de S. João, no Porto, ao futuro Hospital de Todos os Santos, Em Lisboa, por todo o país vemos as autarquias e o governo a atribuírem nomes religiosos às estruturas públicas.

Dir-se-á que se escolhem nomes que sejam relevantes para a maioria da população. Pois claro, mas quando se escolhe um nome com conotações religiosas ou ideológicas temos de ter presente que se está a fazer uma opção com significado ao nível dos valores das pessoas - e algumas vão sentir-se excluídas por essa opção.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Um acto de justiça, senhor Presidente?

Cavaco condecorou hoje Santana Lopes com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo.

Disse Cavaco, “cumpre-se aqui um acto de justiça em relação a portugueses que serviram o país nos mais altos cargos de Governo da República, da magistratura portuguesa e dos órgãos próprios da região autónoma dos Açores”.

Recordemos que quando Santana era Primeiro-ministro, Cavaco escreveu o famoso artigo de opinião em que recordava a teoria económica para dizer que a má moeda, Santana, era sempre afastada pela boa moeda. Foi, na altura, um contributo importante para a queda do Governo, pois revelou que nem sequer a direita apoiava Santana Lopes.

Será que Cavaco está com a consciência pesada e a fazer um acto de contrição? Não. Está é a tomar uma posição com significado político: a afirmar que a sua família política é a direita e a reuni-la à sua volta. E assumindo-se como o líder dessa família, prepara a sua campanha presidencial.

Escusava era de nos usar para fazer essa sua campanha, pois quando condecora Santana Lopes não o está a fazer apenas em seu nome, mas em representação dos portugueses. Que, estou certo, estavam mais dispostos a atribuir-lhe uma repreensão do que uma condecoração.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Ao fim de 14 horas, fumo branco

Depois de quatro anos de conflito, o Ministério da Educação e os principais sindicatos chegaram a acordo. Ainda bem. É muito importante para as escolas, mas também para o país. Talvez agora seja possível os vários envolvidos concentrarem-se na construção de um melhor sistema educativo, de que francamente precisamos.

Olhando para trás, não é difícil perceber o erro que foi a não substituição da anterior ministra. Já muitas pessoas o diziam há muito tempo, mas o governo não quis dar o sinal de que cedia. E os sindicatos também não cederam. Sobrou a confrontação e o impasse.

Num pequeno livro muito interessante, intitulado "Contra o Fanatismo", Amos Oz diz que o problema do conflito israelo-palestiniano é tratar-se de uma discussão entre quem tem razão e quem tem razão. Assim é também na educação.

Talvez uns e outros consigam agora perceber que a discussão não é entre quem tem razão e quem a não tem, mas entre razões, perspectivas e objectivos que se confrontam, mas também se complementam.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Petição a favor de referendo sobre casamento homossexual é entregue amanhã na AR

Os referendos são óptimos instrumentos de democracia directa. Sufragam a vontade popular acerca de matérias concretas, fazendo com que as decisões sejam efectivamente tomadas pela maioria dos cidadãos.

Mas será legítimo referendar os direitos das minorias? Na Suíça referendaram o direito de os muçulmanos construírem minaretes. Por cá, querem referendar os direitos dos homossexuais. E amanhã, o que se seguirá? Talvez haja quem queira referendar o acesso dos ciganos a apoios sociais do estado. Ou, porque não, a expulsão dos ciganos para as Ilhas Desertas.

Quando se referendam os direitos das minorias está a tratar-se essas pessoas como isso mesmo, minorias. Ou seja, um grupo diferente, que deve ter direitos diferentes. E quem é que os decide? A maioria, claro está!

Pretende-se, portanto, decidir aquilo a que os outros, os que são diferentes de nós, têm ou não direito. Mas todos nós somos os outros dos outros. E todos somos parte de pequenas minorias: altos, baixos, obesos, ruivos, ateus, protestantes, testemunhas de jeová, desempregados, homosexuais, negros, ciganos, deficientes, comunistas... A lista não tem fim. E de certeza que cada um de nós está dentro de, pelo menos, um desses grupos minoritários.

A sociedade é composta por esta enorme diversidade de minorias. E é isso que lhe confere a sua riqueza.

Todos somos sociedade. Todos somos diferentes e, simultaneamente, os mesmos. Não devemos querer referendar os direitos de alguém como se fosse algo à parte.