sexta-feira, 31 de julho de 2009

Memórias de Bad Godesberg

Não sendo caso único em política comparada, continuamos a interrogar-nos por que razão um País como Portugal, maioritariamente de esquerda, é por vezes governado pela direita. Resposta pronta e muito recordada nestes últimos dias: porque a esquerda em Portugal não se consegue unir.

Defeito da esquerda? Provavelmente será. A esquerda continua com problemas de identidade - sobretudo face à esquerda -, essencialmente porque os valores (a estrutura) são muito mais difíceis de adaptar à mudança do que os tiques e os leitmotivs movediços da verdade (a conjuntura) de alguma direita.

Ser de esquerda hoje deveria implicar assumir ideologicamente os valores da esquerda, sem pôr em causa a natureza capitalista do sistema. Aceitar o papel do conhecimento, da tecnologia, da inovação na chamada ‘nova economia’ (que já leva uns aninhos), mas moldando-a, pondo-a não ao serviço do consumidor, mas do cidadão, e evitando que se torne nova fonte de desigualdades. Desenvolvendo políticas por uma sociedade mais justa e mais equitativa, recusando discursos fatalistas do tipo 'quem me dera a mim ser rica, mas Alguém assim não o quis e como eu não me vou pôr a roubar, também nunca sairei desta minha condição', utilizando o papel do Estado para corrigir essas desigualdades.

E o curioso é que, apesar de ser a direita que leva o discurso fatalista-derrotista, existe uma certa impressão instalada (talvez por culpa de alguma esquerda) de que esquerda é imobilismo, de que com ela não haverá progresso palpável, de que o nosso País nunca sairá dos últimos lugares dos rankings europeus e de lugares medianos nos internacionais. E nós que inventámos a globalização! Nós que já partilhámos o mundo com os Espanhóis! A verdade é que, tanto à esquerda como à direita, Portugal ainda não foi capaz de dar resposta às principais tendências que atravessam hoje a nossa economia e a nossa sociedade.
À direita, adoptou-se o laissez-faire, laissez-passer (ou o rasgue-se, numa versão mais pró-activa), que é sempre útil quando não se quer gastar demasiado tempo a pensar em soluções, nem demasiado dinheiro a corrigir efeitos perversos e criadores de desigualdade. Nunca é de mais recordar que a crise actual é consequência destas atitudes.

À esquerda, critica-se a esquerda que renegou princípios supostamente basilares e a esquerda que aceita o sistema capitalista, descartando qualquer união e pondo assim em risco o Estado-providência.

Lá porque há vozes que não mudam desde os tempos de Argel, isso não deveria impedir os partidos de se adaptarem e responderem às novas realidades.

A escolha ainda é nossa.

Sondagem - Esquerda com mais de 50%, mas PSD pode ganhar

As esquerdas têm muito que as divide, mas têm em comum o mais importante: os valores fundamentais.
A ideia de que existe uma responsabilidade colectiva dos cidadãos, da sociedade, perante os restantes cidadãos é a linha divisória que distingue a direita da esquerda.
É isso que faz com que a esquerda defenda o estado social, que é, afinal, a forma de colectivamente nos responsabilizarmos pelo destino de todos. É o princípio da solidariedade.
É por não partilhar deste valor que Manuela Ferreira Leite defende que deve existir mais caridade na sociedade. A caridade é um acto de generosidade (apesar de muitas vezes não passar de um acto de alívio da consciência), não de responsabilidade.
O que distingue os partidos de esquerda são diferentes visões acerca do grau até onde vai essa responsabilidade e as formas de a concretizar.
PS, BE e PCP, apesar das divergências, fazem parte do mesmo campo.
Isto deveria tornar possível a criação de entendimentos à esquerda e é incompreensível a incapacidade de se chegar a situações de compromisso em que todos cedam um pouco. O exemplo da Câmara de Lisboa, que Santana Lopes pode ganhar, é paradigmático.
Mas esses acordos têm de ser pós eleitorais. Antes o PS tem de conseguir mais votos do que o PSD.
Mas não é atacando o BE ou o PCP que o vai conseguir, é afirmando os seus valores de esquerda, única forma de recuperar muitos potenciais abstencionistas e também alguns eleitores que, apesar de ideologicamente mais próximos do PS, poderão votar no BE com a ideia de que este poderá influenciar o próximo governo do PS, empurrando-o para a esquerda.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

A silly season mesmo aqui ao lado...


E ainda sonham com a união ibérica.
Está visto que não nos conhecem.

Poderia o Ministério da Educação ser diferente?

Um texto recente, da autoria de Helena Damião, Pedagoga, sustenta que o Ministério da Educação não podia ser diferente, porque é politicamente incorrecto defender as ideias para a educação que realmente deveriam ser implementadas. E como o que acontece com todos os políticos é quererem apenas conquistar o poder, não fazem o que devem, mas o que o povo quer ouvir.

Estou em total desacordo. Claro que o Ministério da Educação poderia ser diferente. Para melhor e para pior. É tudo assim na vida.

A ideia de que todos os políticos fazem o mesmo, que tentam esconder a verdade e que o seu único interesse é manter o seu poder é fácil de defender, mas é absolutamente populista.

Antes de mais é uma generalização que, como todas, é injusta. O politicamente correcto impede-nos de dizer que "todos os ciganos são..." ou "todos os funcionários públicos são...", mas parece que já fica bem dizer "todos os políticos são...".

É também uma ideia completamente anti-democrática. Se os políticos são todos maus, qual será a melhor forma de governo?

Um governo de especialistas, presume-se do texto. Pois se a educação deve ser deixada aos professores, que são os especialistas, e "por princípio, os encarregados de educação e pais não se devem pronunciar em matéria de ensino formal", também a justiça deve ser apenas gerida apenas por magistrados e a agricultura por agricultores.

Não! A educação, a justiça, a agricultura e todas as outras funções do estado devem ser sujeitas ao processo democrático. A sociedade deve escolher o seu futuro e a democracia (que implica a existência de políticos) é a melhor forma de o fazer. Ou, como dizia o Sérgio Godinho, "é o pior de todos os sistemas, com excepção de todos os outros".

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Coitados dos ricos

À falta de propostas concretas, temos de ir percebendo o posicionamento político pela análise do discurso.

Na conferência do Diário Económico de hoje, Manuela Ferreira Leite expressou a sua preocupação com o que designou de "uma quase perseguição social" dos ricos.

Concordo com a Drª Manuela, deve ser muito mau ser rico. São uma das classes sociais mais prejudicadas. Não percebo é porque é que, na mesma ocasião, disse que só tem pena de não o ser (rica). Para ser perseguida? Mais valia ser pobre, não é verdade?

Claro que ninguém quer que os ricos sejam perseguidos. Como ninguém quer que o sejam os pobres, a classe média, os negros ou os brancos. Mas escolher como alvo de preocupação os ricos, como se existisse algum risco para eles, é muito revelador. E o que se revela é a sensibilidade social de Manuela Ferreira Leite.

O diabo está nos detalhes

Com as eleições à vista, os protagonistas políticos multiplicam-se em declarações acerca dos mais variados temas. O objectivo, claro está, é tocar o maior número possível de pessoas, umas mais sensíveis a uns temas, outras a outros.

É fácil para os políticos fazer declarações com que toda a gente concorda, sobretudo quando se produzem apenas sound bites, sem fazer propostas concretas. Por vezes fazem-se propostas genéricas, que obtêm facilmente a concordância de todos, mas evitam-se os pormenores. Que o diabo está nos detalhes.

Quem não concorda com declarações como "deve haver uma maior protecção da infância", "os pensionistas devem receber pensões dignas", "temos de construir um ensino de qualidade". Mas o que é que significa cada uma destas afirmações? Sem a apresentação de propostas concretas estas afirmações podem produzir um bom efeito mediático mas nada revelam sobre o que se pensa fazer.

Vem isto a propósito do programa de governo "minimalista e genérico" que o PSD diz que vai apresentar. Minimalista e genérico? Quer dizer que não vai explicar o que se propõe fazer? Então como é que os eleitores podem escolher?

Números, verdades, realidades


O que nunca falta em campanha são números e gráficos para apoiar programas e sublinhar tendências e divergências. Ao tratamento que lhes é dado pela comunicação social voltarei mais tarde.

Gosto particularmente daqueles números que parecem inócuos e acabam por desvelar realidades desconhecidas. Se vos disser que as refeições escolares passaram a ser servidas em 94% das escolas (contra 30% em 2004), alguns dirão que bom, outros torcerão o nariz ante a memória viva do que sofreram em algumas cantinas e refeitórios escolares, outros dirão que o papel do Estado não é a nouvelle cuisine e outros ainda baixarão a cabeça com alguma vergonha.

Posto assim, este número pouco significará, tal como tantos outros que na verdade nos escondem realidades pouco palpáveis.

Quando uma amiga me contou que nalgumas escolas (de Portugal) se começaram a servir também jantares, para além dos almoços, para que os alunos não fossem para a cama sem comer, a escola pública ganhou todo um novo significado para mim.

Acabe-se com esta rede social ou rasguem-se só os menus?

Que disparate, o verdadeiro indicador do papel da escola na sociedade são as manifestações de professores, já me esquecia.


A escolha ainda é nossa.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Intervenção cívica

Durante muito tempo a minha intervenção cívica estava limitada às conversas com as pessoas mais próximas. Desse modo expressava as minhas opiniões e, por vezes, tentava influenciar as dos outros. Era, a meu ver na altura, a intervenção que estava ao meu alcance.

Um sentimento acompanhava-me, porém, dizendo-me que eu podia fazer mais, que não bastava agir na minha esfera de influência mais restrita.

Mas era mais fácil não me expor publicamente. Com vários pretextos sempre foi vencendo a parte de mim que me dizia que era melhor manter-me discreto.
Com o tempo as coisas mudaram e hoje considero ser minha responsabilidade ter uma intervenção cívica activa.

Duas coisas contribuíram para isso: a minha tomada de consciência acerca do papel que devo ter na sociedade (se acredito nos valores que defendo, então devo ser consequente e ter a coragem de o fazer publicamente) e a percepção de que está em jogo a construção de um mundo melhor (pelo menos como eu o vejo) e que a minha contribuição, por muito modesta que seja, pode contar para alguma coisa.

Por isso, escrevo neste blog. Para dar o meu contributo.

Em consciência

Porque a política – vivida de forma mais ou menos activa - não é mais do que uma questão de escolhas e de opções, parece-me saudável que se debatam essas escolhas, ideias, programas e alternativas. Por vezes pode até parecer que não há alternativa, mas há sempre diferentes alternativas, opções, caminhos dentro de uma escolha. Já me parece menos saudável que se debatam pessoas ou a ideia que fazemos dessas pessoas. As pessoas interessantes discutem ideias, as outras discutem pessoas.

Para arrumar desde já com problemas de identidade, no dia 27 de Setembro vou votar no Partido Socialista, a menos que me convençam de que essa não é a melhor escolha. Também vou votar no Sócrates, mas acho redutor basear o voto em tigres de papel que ninguém conhece de verdade. Os programas estarão aí, vamos debatê-los e escolher.

A principal razão pela qual não vou votar na Dra. Manuela Ferreira Leite e muito menos no PSD é porque me recuso a ser parte de mais um retrocesso social, económico, político e moral para Portugal. Seria renunciar aos avanços societais conseguidos nestes últimos anos.

E custa-me que haja tanta gente da minha geração a defender Manuela Ferreira Leite. A senhora até diz de si própria que parece uma bruxa, mas não deverá precisar assim tanto de anjinhos da guarda, ou precisa?

Custa-me que a minha geração, que sofreu na pele, primeiro na Educação e depois nas Finanças, a ditadura de quem até gostava de chegar aos calcanhares da verdadeira dama-de-ferro, a defenda assim. Custa-me que aqueles a quem chamaram geração rasca porque tinham e expressavam opiniões, porque ousavam mostrar o rabo a Ministros, se tenham tornado tão seguidistas.

Que sigam então pelo caminho mais fácil. Já está tudo pronto, é só aplicar a receita que a senhora já tem - e de longa data; entretanto, convenhamos, aconteceram umas coisinhas piquenas no mundo. Ninguém lhes pede opiniões ou que pensem. Não, basta o puro seguidismo da direita em torno do líder, e, claro, alguma capacidade de escrever uns textos de desagravo e resistência para saltar em noites de eleições. Sem censura; porque sem capacidade crítica. Porque o modelo, reproduzido ad nauseam, geração após geração, é esse. Só os mais bem-aventurados, de preferência de boas famílias, têm direito de opinião. Dá muito trabalho ter opinião. O verdadeiro dirigismo, a crença cega no establishment não está no PS, está no PSD. Ainda bem que eles vão à Universidade de Verão empinar a matéria.

Resumindo, todos nós teríamos muito a dizer sobre Manuela Ferreira Leite e José Sócrates. Para aqueles que quiserem discutir mais do que as rugas da Manela ou as birras do Zé, aqui fica este espaço aberto.

A escolha ainda é nossa.