terça-feira, 1 de setembro de 2009

O dilema da esquerda

(Artigo de opinião publicado por HB no Diários de Notícias, em 29 de Agosto de 2009)

As esquerdas têm muito que as divide, mas têm em comum o mais importante: os valores fundamentais.
A ideia de que existe uma responsabilidade colectiva dos cidadãos, da sociedade, perante os restantes cidadãos é o ponto fulcral desses valores. E é também a linha divisória que distingue a direita e a esquerda.
É isso que faz com que a esquerda defenda o Estado social, que é, afinal, a forma de colectivamente nos responsabilizarmos pelo destino de todos, concretizando assim o princípio da solidariedade.
Por não partilhar deste valor, Manuela Ferreira Leite defendia há dias, na sua crónica no Expresso, que o que deve existir é mais caridade na sociedade. A caridade é um acto de generosidade (e muitas vezes não passa de um acto de alívio da consciência), não de responsabilidade.
A distinção não é apenas terminológica: solidariedade versus caridade. É profundamente ideológica, mas com claras consequências práticas, condicionando a forma como se olha para os mais desafortunados: como pessoas que têm direito a receber apoios sociais ou como pessoas a quem se faz a “bondade” de atribuir esses apoios.
Apesar de frequentemente o Bloco de Esquerda e o PCP acusarem o PS de fazer uma política de direita, a verdade é que reconhecem que todos pertencem ao mesmo campo ideológico, pois partilham os valores fundamentais.
Isto deveria tornar mais fácil a construção de entendimentos entre eles e é incompreensível que por vezes não consigam chegar a soluções de compromisso em que todos cedam um pouco.
O exemplo da Câmara de Lisboa, que Santana Lopes pode ganhar, é paradigmático. Mas as eleições legislativas serão o verdadeiro teste à capacidade da esquerda para se unir pelo bem comum.
Todas as pessoas de esquerda, mesmo aquelas que estão insatisfeitas com o PS, querem que este vença as legislativas. Umas querem que forme governo sozinho, outras preferem que faça acordos com os partidos à sua esquerda, mas todas querem que ganhe.
Porém, como constatámos nas eleições europeias e pelo que dizem as sondagens que têm sido publicadas, pode ser que isso não aconteça.
A maioria dos portugueses olha para estes dados com incredulidade: nem lhes passa pela cabeça que o PSD, fraco como está, possa ganhar.
Só que o PSD não precisa de conquistar muitos votos, basta-lhe conseguir mobilizar o seu eleitorado fiel. A convicção generalizada de que não ganhará encarregar-se-á de fazer o resto, levando a que muitas pessoas que poderiam votar no PS (o que fariam se achassem que o que estava em causa era ganhar o PS ou o PSD) votem no BE ou na CDU, com a ideia de que isso irá empurrar o PS para a esquerda.
Sabendo que bastará que o PSD tenha mais um voto do que o PS para Cavaco Silva convidar Manuela Ferreira Leite a formar governo, muitos eleitores de esquerda sentem estar perante um dilema: gostariam de votar à esquerda do PS para mostrar a este o caminho que deve seguir, mas se o fizerem há o risco de o governo ser de direita. Um governo PSD-CDS que, com o beneplácito do Presidente da República, reduzirá o papel do Estado social à perspectiva de caridade em que Manuela Ferreira Leite se inspira.
Será um dilema difícil de resolver para muitos, mas é fundamental que o seja em plena consciência das consequências de cada uma das opções, pois o que está em jogo é demasiado importante para permitir leviandades.

2 comentários:

Jorge Coelho disse...

Caro amigo Dr. Baltazar,

Trato-o como amigo, pois como recebi um email seu a alertar-me para o seu artigo, devemo-nos conhecer de algures que de momento não consigo precisar.

Relativamente ao seu email e artigo, devo dizer que o mesmo me alegra e me desaponta. Pretendendo fazer deste comentário o mais breve, passo de seguida a explicar-me.

Alegra-me, pois é importante que de facto se generalize o acesso aos espaços de opinião, pois muitos dos habitués já cansam e a pluralidade de ideias e opiniões válidas não é reflectida por eles.

Desaponta, pois toma a oportunidade e em dois momentos demonstra que não dá o devido valor aos leitores. Num primeiro momento, quando designa de leviandade o acto de votar à esquerda do PS, isto quando este último partido fez a maior incursão histórica à direita - veja-se a revogação da política dos manuais escolares do CDS, a qual está a custar muito dinheiro a muitas famílias. Bem sei que a mensagem é dirigida à esquerda,mas num segundo momento o seu artigo enferma por se deixar embalar pelo discurso do bicho papão.

Caro amigo, acreditando que terá melhores momentos de intervenção, resta-me aguardar o seu próximo email.

Cumprimentos,

Jorge Coelho

Henrique Baltazar disse...

Caro Jorge,

Certamente que o PS tomou algumas medidas que muitas pessoas classificam como sendo de direita. Trata-se, afinal, de um partido da esquerda moderada, que pretende construir uma sociedade mais inclusiva, mas aceitando que tem de o fazer sobre o sistma económico que existe, que é capitalista, introduzindo-lhe mecanismos que reduzam as desigualdades e promovam a coesão social.

Em termos ideológicos pode, portanto, ser considerado um partido social democrata (no sentido da social democracia nórdica, parece-me a mim).

Assumindo que tenta melhorar o sistema económico que existe (e não tranformá-lo em comunista ou socialista), executa algumas políticas que a restante esquerda considera serem de direita. Algumas talvez até sejam, mas a maioria delas apenas não é tão de esquerda como o BE ou o PCP desejariam.

Mas não deixa de ser um partido de esquerda por causa disso.

É por isso que, como referia no artigo, toda a esquerda quer que o PS ganhe as eleições.

Mas a vitória do PS não é um dado adquirido, pelo que, a meu ver, será bom que o voto não se decida só por questões emotivas (por estar zangado com Sócrates), mas sobretudo por factores racionais, considerando as possibilidades de governo que existem após as eleições.

Atendendo a esses factores, cada qual votará no partido que melhor corresponder à sua visão do que quer para o futuro - e todas as opções de voto são respeitáveis.

Cumprimentos,